Maria
May 7, 2003
Testemunhos de fé diante de adversidades — Maria
DFO 3394
2/02
Obs.: Palavras marcadas com um asterisco constam no glossârio no final desta Carta.
Querida Família
Esta BN é um pouco diferente visto que é uma compilaèäo de histôrias e testemunhos de pessoas que jâ partiram para receberem a sua recompensa no Céu. Relatam situaèöes de pesar‚ atos de amor, de submissäo‚ de renúncia, de compaixäo e de honra, retratando o amor, o consolo, a paz, a graèa e a fé que o Senhor nos dâ quando nos períodos de incerteza, de tristeza, de confusäo e de desencorajamento. Pedimos a Deus para que inspirem e encorajem a sua vida e relacionamento com o Senhor, ajudando-os a continuar confiando‚ se submetendo e obedecendo-Lhe em tudo, bem como clamando as chaves para quaisquer desafios com os quais se deparem.
O capeläo
Georgie Graeme (pronuncia-se “grãm”) afundou ainda mais na trincheira quando o assobio do morteiro aumentou. Ele sabia que em poucos segundos o explosivo cairia em algum lugar ali perto, transformando-se numa chuva de estilhaèos incandescentes, queimando e destruindo qualquer um com quem entrasse em contato.
3. “Abaixe essa maldita cabeèa, reverendo!” gritou Joe White, o sargento-ajudante do regimento, que na ocasiäo encontrava-se por acaso na trincheira com ele. Os soldados o chamavam de “Joe Pagäo” — um homem sem dúvida corajoso, mas que conquistara esse apelido por constantemente praguejar e desrespeitar qualquer coisa relacionada a religiäo. Ele era, nas suas prôprias palavras, "um gladiador pagäo, determinado a exterminar, em batalha, tantos quanto conseguisse com sua baioneta sanguinâria, e que exigia esse mesmo comportamento de todos os que serviam sob seu comando. E se alguém do seu regimento, sem exceèäo, se esquivasse desse dever assassino, ele o faria pagar com o prôprio sangue."
4. O exército britãnico normalmente era um pouco mais consciencioso e se certificava de que o oficial sênior de um regimento tivesse um grau de retidäo mais alto do que Joe Pagäo. Mas as batalhas sangrentas de Ypres na Bélgica e outras durante a Primeira Grande Guerra relegaram tal sensibilidade ao final da lista de prioridades. O objetivo principal era ganhar as batalhas, e se isso exigisse alguém como Joe Pagäo‚ que assim fosse.
5. Georgie Graeme jâ era uma histôria completamente diferente.
6. Destinado ao clero desde que se entendia por gente, cresceu no interior, em Cornualha, no sudoeste da Inglaterra. Como sempre tiveram problemas de saúde, com crises constantes de tuberculose, näo era considerado um bom partido pelas moèas da regiäo. Dedicara-se a uma vida de leitura, quase monâstica, em Christ’s College, em Cambridge, onde recebeu seu título de doutor em Teologia‚ sendo depois ordenado pela Igreja Anglicana. Tornou–se entäo vigârio num pequeno vilarejo em Cornualha. Lâ, para agrande surpresa sua e de todos que o conheciam, encontrou, se apaixonou e casou-se com Meg Tavistock‚ a moèa mais cotada da cidade. Georgie jâ näo tinha mais os problemas de saúde da juventude, mas esse vigârio magricelo e desengonèado tampouco era considerado um bom partido para a adorâvel e refinada Meg.
7. Contudo‚ eles pareciam ter uma uniäo feliz, e logo surgiram muitos descendentes, que corriam de um lado para o outro pela parôquia onde Georgie se tornou decano* depois que o reverendo Douthy se aposentou. O mundo deles era de muitas formas idílico. Era uma parôquia pequena e Georgie tinha bastante tempo para se ocupar com a sua paixäo pela leitura. Ele também se tornara perito na histôria de Cornualha, passando muitos de seus dias em vârios locais histôricos, envolvendo-se até mesmo em um pouco de arqueologia como amador. A antiga cultura celta de Cornualha era a sua grande paixäo e ele pediu ajuda a vârios anciäos de sua parôquia para aprender a falar o celta‚ o idioma dessa antiga regiäo. No fundo ele vibrava com os feitos retratados nos antigos poemas e baladas‚ nas histôrias de herôis e de vilöes, de druidas e de dragöes.
8. Meg amava Georgie e seus filhos, mas visava realizaèöes maiores do que ser apenas a esposa do vigârio e reitor* de um vilarejo. A igreja para ela representava uma carreira e sonhava estar casada com o Bispo Graeme e ser alguém näo sô na sociedade de Cornualha, mas na sociedade britãnica. Assim que George for bispo, ele poderâ se sentar na Cãmara dos Lordes e serei conhecida como Lady Margaret Graeme, ela freqüentemente pensava. De modo que consentia essas preferências de George, enquanto maquinava, gentil e educadamente, claro, como realizar seus prôprios sonhos.
9. Chegou entäo aquele dia fatídico, 28 de junho de 1914, e o “tiro foi ouvido em todo o mundo”. Logo a Europa inteira entrava em guerra, e as lúgubres notícias dos horrores da guerra comeèaram a ser uma constante nos jornais.
10. Georgie, em retrospectiva, considera o dia 15 de maio de 1915 um dia decisivo‚ pois foi quando recebeu uma carta do bispo de Truro (a parôquia principal de Cornualha) e Meg veio correndo toda empolgada com a carta na mäo. Georgie, sentado à mesa, estava com os olhos fixos no pequeno artigo na terceira pâgina do jornal: “Exército Procura Capeläes”. A voz de Meg finalmente quebrou o estado praticamente de transe em que Georgie se encontrava.
11. “Meu bem, é uma carta do bispo!” exclamou. Abra, Georgie. Tenho certeza que säo notícias maravilhosas!”
12. Olhando para sua linda Meg e sorrindo, George‚ pegou o envelope, abriu-o e tirou uma carta escrita à mäo.
13. “O que é George?” implorou Meg.
14. “O bispo quer que eu compareèa a Truro”, respondeu Georgie. “Estäo pensando em separar o cargo de decano da catedral do cargo de bispo, e ele quer me entrevistar como candidato para esse posto.”
15. “Oh, Georgie, que maravilha!” exclamou Meg. “É a nossa chance de fazermos coisas mais importantes. Vai colocâ-lo na fila de espera para se tornar bispo quando o velho se aposentar, e você é täo jovem para um cargo desses! Que oportunidade maravilhosa. Você deveria ir logo!”
16. Georgie permaneceu sentado atõnito. Meg estava absolutamente certa, era realmente uma oportunidade tremenda, e se a notícia tivesse chegado em qualquer outro dia, ele näo teria hesitado. Mas hâ poucos segundos ele passara pela experiência mais incrível de sua vida, a sua epifania*, como denominou depois. Pela primeira vez ele teve o que sô podia descrever como uma experiência espiritual. Jurava ter ouvido uma voz grave e ressonante, vinda do nada, ao ler o artigo sobre a necessidade de capeläes, que lhe disse: “Sofre pois as aflièöes como bom soldado de Cristo Jesus. Nenhum soldado em servièo se embaraèa com negôcio desta vida, a fim de agradar Àquele que o alistou para a guerra” (2 Tim. 2:3-4).
17. Georgie conhecia muito bem essa admoestaèäo de Paulo a Timôteo nas Escrituras, tendo–a jâ lido muitas vezes, mas sem nunca associar a palavra guerra no versículo à guerra propriamente dita. Naquele exato momento Georgie viu o que lhe estava sendo pedido. Ele estava sendo convocado para a missäo de ministrar aos soldados nas trincheiras da Europa. Foi algo täo imprevisível que o deixou estupefato e passou o resto do dia como se estivesse em um sonho. Meg foi correndo à estaèäo de trem comprar-lhe uma passagem para Truro para a manhä seguinte, e voltou voando para casa para arrumar sua mala. Georgie, feito um autõmato‚ conseguiu cumprir todos os afazeres do dia, mas à noite näo conseguiu pregar o olho.
18. Contemplando o rosto de Meg, deitada ao seu lado, e iluminado pela luz do luar que entrava pela janela, pensou em como ela era täo linda, e se conseguiria deixâ-la. Uma lâgrima rolou pelo seu rosto enquanto acariciava timidamente a face da esposa. “Senhor, Você näo pode estar me pedindo para deixâ-la e ir para a guerra”‚ orou. "Você é o Príncipe da Paz e eu sou ministro na igreja. Deveria estar promovendo a paz, e näo me envolvendo na guerra". Esses e mais milhares de pensamentos e oraèöes passaram pela sua cabeèa. Depois de vârias horas, Georgie saiu caladamente da cama, detendo-se por um momento no quarto das crianèas para observar cada uma das crianèas dormindo. “Jesus, estes säo os filhos que Você me deu. Como posso abandonâ-los? Que direito tenho eu de deixâ-los sem um pai? O que é que Meg e as crianèas väo fazer? Como väo sobreviver sem mim?”
19. Chegou finalmente à sala de estar, acendeu a luz e afundou–se em sua poltrona. Pegando a Bíblia da família na mesinha ao lado, orou com ela no colo: “Senhor, näo tenho sido o que Você consideraria um grande obreiro na Sua seara. Tenho pastoreado um pequeno rebanho, e esse trabalho tem me dado tempo para me dedicar a certos hobbies e interesses pessoais. Näo sou exatamente o que o Senhor chamaria de um ‘servo fiel’. Tenho trabalhado um pouco‚ mas com certeza näo sou um evangelista no campo de batalha. Entäo, por que cargas d’âgua estâ me chamando?”
20. Aquela voz grave e ressonante surgiu mais uma vez, agora näo de maneira audível como antes, mas em sua cabeèa: Muitos säo chamados, mas poucos escolhidos. Pegue sua Bíblia e leia.
21. Ao tirar a Bíblia do colo, ela abriu no capítulo 9 de Mateus. “Vendo Ele as multidöes, tinha grande compaixäo delas, porque andavam cansadas e abatidas, como ovelhas que näo têm pastor. Entäo disse aos Seus discípulos: A seara é realmente grande, mas os ceifeiros säo poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que envie ceifeiros para a Sua seara” (Mat. 9:36-38).
22. George gemia por dentro porque estava ficando cada vez mais ôbvio e inegâvel o seu chamado para ser capeläo, e ele sabia que se fizesse objeèöes estaria lutando contra Deus. Ovelhas que näo têm pastor. Isso certamente descreve os pobres soldados d’além-mar‚ pensou.
23. Folheando a Bíblia, caiu entäo em Lucas 10. “Disse-lhes: Grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros säo poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que envie obreiros para a sua seara. Ide. E vos envio como cordeiros ao meio de lobos” (Lucas 10:2,3).
24. “Praticamente as mesmas palavras”, pensou em voz alta. "Senhor, estou em grande conflito. Como vou conseguir fazer isso?" Mais uma vez folheou a Bíblia, na esperanèa de encontrar algo que lhe indicasse que devesse seguir em direèäo a Truro e näo aos campos de batalha na Franèa e na Bélgica. Seus olhos caíram no seguinte:
25. “Ora, aproximou-se dEle um homem e Lhe perguntou: Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que Me perguntas a respeito do que é bom? Bom sô hâ um. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos. Perguntou-Lhe ele: Quais? E Jesus respondeu: Näo matarâs‚ näo cometerâs adultério, näo furtarâs, näo dirâs falso testemunho‚ honra a teu pai e tua mäe, e amarâ o teu prôximo como a ti mesmo. Disse-Lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda? Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dâ-o aos pobres, e terâs um tesouro no céu. Entäo vem e segue-Me. O jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste‚ porque possuía muitas propriedades.
26. Disse entäo Jesus aos Seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no Reino dos céus. Outra vez vos digo que é mais fâcil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. Os Seus discípulos‚ ouvindo isto, admiraram-se muito‚ e disseram: Quem poderâ, entäo, salvar-se? Jesus, olhando para eles, lhes disse: Para os homens isto é impossível, mas para Deus tudo é possível.
27. Entäo Pedro Lhe perguntou: Nôs deixamos tudo‚ e Te seguimos! O que, entäo, haverâ para nôs? Respondeu-lhe Jesus: Em verdade vos digo que vôs os que Me seguistes, quando na regeneraèäo, o Filho do homem Se assentar no trono da Sua glôria, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmäos, ou irmäs, ou pai, ou mäe‚ ou mulher, ou filhos‚ ou terras, por causa do Meu nome, receberâ cem vezes mais, e herdarâ a vida eterna. Porém, muitos dos primeiros seräo últimos, e muitos dos últimos, primeiros” (Mat. 19:16-30).
28. Os olhos de Georgie voltaram para onde dizia “ou mulher, ou filhos”. “Querido Deus”‚ sussurrou: "Você estâ pedindo demais. Com certeza näo é para eu renunciar a minha mulher e filhos! Afinal de contas, estou a Seu servièo e até agora näo precisei renunciar a eles. Isso com certeza é esperar demais, e Você estâ me pedindo uma tarefa além da minha capacidade. Por favor, Senhor, confirme sem sombra de dúvida o que Você estâ fazendo. Que fique claro, sem ambigüidade."
29. Ao folhear as pâginas da Bíblia uma última vez, seus olhos caíram na segunda metade do capítulo 14 de Lucas, e ficou chocado logo com o primeiro versículo, através do qual o Senhor deixou extremamente claro o seu destino.
30. “Se alguém vier a Mim, e näo aborrecer a seu pai, e mäe, e mulher, e filhos, e irmäos, e irmäs, e até mesmo a sua prôpria vida, näo pode ser Meu discípulo. Qualquer que näo tomar a sua cruz, e näo vier apôs Mim, näo pode ser Meu discípulo. Se algum de vôs estâ querendo edificar uma torre, näo se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que näo aconteèa que, depois de haver posto os alicerces, e näo a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: Este homem comeèou a edificar e näo põde acabar. Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, näo se assenta primeiro para calcular se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil? Doutra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores, e pede condièöes de paz. Da mesma forma, qualquer de vôs que näo renuncia a tudo o que tem, näo pode ser Meu discípulo. Bom é o sal, mas se tornar-se insípido, como restaurar-lhe o sabor? Nem presta para a terra, nem para o monturo; e é lanèado fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouèa” (Lucas 14:26-35).
31. O chamado era inquestionâvel. Georgie prostrou-se com o rosto no tapete e chorou e orou até o alvorescer e os raios do Sol comeèarem a brilhar na sala de estar. Cansado, Georgie levantou-se e voltou para a cama. Meg se mexeu e abriu os olhos.
32. “Minha nossa!” exclamou, “Jâ é de manhä e você tem de ir Georgie Graeme! Acorde e levante-se, dorminhoco. Passei o seu melhor terno. Vista-se logo que vou preparar seu café”.
33. Meg estava täo eufôrica que nem notou o rosto manchado de lâgrimas do marido. Vestiu o roupäo e foi correndo para a cozinha. Georgie obedeceu‚ vestiu–se, comeu em silêncio, e foi empurrado porta afora com um beijinho no rosto.
34. Mais tarde‚ naquele mesmo dia, viu-se sentado à mesa com o anciäo, o Bispo de Truro, tomando châ com limäo e degustando biscoitinhos e bolinhos finos. O bispo era um senhor bondoso com um verdadeiro amor por Deus e seu rebanho. Pegando uma pilha de cartas, devidamente amarradas com um barbante, o velho bispo sacudiu–as para George.
35. “Os parentes de sua esposa estäo fazendo uma campanha e tanto a seu favor, meu jovem. É raro o dia que eu näo receba uma carta de um Tavistock falando-me de suas maravilhosas virtudes e esplendorosas qualificaèöes para o servièo de decano. Se eu acreditasse em tudo o que leio, puxa, acharia que estou falando com o futuro Arcebispo de Canterbury.”
36. “Perdoe-os, senhor”, disse Georgie baixinho. “Acho que falam bem demais de mim. Näo fazia idéia que o estavam incomodando desta forma. Sinto-me envergonhado por estarem fazendo essa campanha por mim. Realmente näo fazia idéia.”
37. “Ora, o que você me diria se eu lhe oferecesse o cargo?” perguntou o bispo.
38. “Eu me sentiria extremamente honrado e até mesmo lisonjeado”, respondeu George, “mas temo näo poder aceitar. Parece que Deus tem outros planos para mim, e até ontem eu näo tinha a mínima idéia deles”.
39. “O que quer dizer, meu jovem?” inquiriu o bispo.
40. George entäo lhe contou o que acontecera nas últimas 24 horas. O bispo ouviu atentamente‚ balanèando a cabeèa, sorrindo e fazendo algumas perguntas aqui e ali em busca de esclarecimento sobre alguns pontos.
41. “E foi isso”‚ disse Georgie ao terminar.
42. “Meus parabéns, meu jovem”, disse o bispo depois de uma pausa. “Deus falou com você direta e inequivocamente. Isso näo é algo que acontece a todos. Deve haver um servièo grandioso para você nas linhas de frente, e näo serei eu que o impedirei de atender a este chamado. Portanto vou retirar o seu nome da lista de candidatos a este humilde servièo de decano da catedral de Truro e vou recomendâ-lo ao chefe do Servièo dos Capeläes das Forèas Armadas de Sua Majestade, para a nobre e grandiosa tarefa de ser um apôstolo para os nossos soldados.”
43. “Mas e a minha esposa e filhos, senhor? Näo sei se vou conseguir deixâ-los para cumprir essa tarefa, e se o fizer, eles väo me odiar”, respondeu Georgie em desespero.
44. “Deixe sua mulher e filhos nas mäos de Deus”, respondeu o bispo. “Ninguém é mais importante do que a sua vocaèäo, nem mesmo os seus familiares. Näo perca o seu chamado, caso contrârio irâ se odiar por isso e sem dúvida acabarâ desprezado pelos seus amados. Escute o que um velho soldado de Cristo tem a dizer, pois deixei de realizar muita coisa por ter me acomodado no trabalho como bispo. Näo aceite a segunda opèäo, näo faèa como eu.”
45. Contemplando o velho bispo, Georgie observou uma lâgrima escorrendo pelo seu rosto enrugado.
46. “É, é exatamente o que ouviu”, disse o bispo sorrindo. "Eu poderia ter sido um missionârio na China, mas me acomodei e aceitei servir na catedral de Truro. Acredite, cada dia eu me arrependo dessa decisäo. Entäo, vâ para a frente de batalha. O Senhor precisa de Seus soldados para lutarem pelas almas daqueles rapazes. Dizem que nas trincheiras näo hâ ateu, entäo a seara é verdadeiramente grande, como o Senhor lhe disse."
47. Levantando-se‚ Georgie beijou o anel na mäo do velho bispo e depois, pondo-se de joelhos, rogou que orasse por ele.
48. O bispo fechou os olhos e impõs as mäos na cabeèa de Georgie. "Querido Senhor", orou, “abenèoe este soldado que vai lutar as Suas batalhas. Ele jâ foi um soldado em tempos de paz, nos bastidores, mas agora Você o chamou para o grosso da batalha. Ajude–o a ir no espírito de Säo Paulo‚ Seu grande guerreiro e apôstolo de outrora. Ajude-o a saber que é pela Sua forèa que ele prevalecerâ e pelo Seu amor que terâ êxito. Ajude-o agora a lutar a batalha mais ferrenha de todas quando chegar à sua casa, que serâ a de explicar aos seus amados que lhe foi pedido para deixâ-los e ir lutar no exterior‚ e que talvez nunca mais o vejam nesta vida. Conceda-lhe o Seu auxílio, porque Você näo nos falha. Amém!
49. Vâ em paz, meu filho, e näo decepcione o Senhor”.
50. A viagem de Georgie para casa foi a viagem mais longa e aflitiva que ele jâ fizera. Ficou na porta da frente da parôquia um eternidade, tentando encontrar coragem para entrar. Finalmente, girou a maèaneta. Meg apareceu na porta antes mesmo dele abri-la totalmente.
51. “Você voltou!” gritou ela‚ dando-lhe um abraèo, toda entusiasmada.
52. Georgie a abraèou hesitante. Notando imediatamente sua reaèäo, ela recuou um pouco para olhâ–lo nos olhos.
53. “Aquele velho bispo o despachou, näo foi?” disse amargurada. “Depois de tudo o que a minha família tem feito por aquele velho caduco! Ele devia ter nomeado você para decano por consideraèäo a nôs.”
54. “Näo foi isso”, gaguejou Georgie. “O bispo foi muito gentil e conversamos bastante. Acho que ele teria me dado o cargo se eu...”
55. “Se você o quê?” indagou Meg.
56. “É que vimos que o Senhor estâ me chamando para servi-lO de uma forma diferente”, disse Georgie recobrando um pouco de confianèa em si mesmo.
57. “Tem outra vaga em outro lugar?” perguntou Meg, com um súbito raio de esperanèa de que nem tudo estava perdido.
58. “Tem”, disse George‚ "mas acho que näo é o que você esperava. O Senhor estâ me chamando para ser capeläo no exército".
59. “Capeläo no exército?” disse ela quase gritando. “Onde? Como? Näo é nas linhas de frente, é? Você poderia morrer! Näo, com certeza morreria. Vai fazer de mim uma viúva e deixar seus filhos ôrfäos. Isso é o cúmulo da irresponsabilidade. Näo posso e näo vou permitir isso, Georgie! Seu lugar é aqui com a sua família, näo lâ num campo de batalha atroz.”
60. Meg afundou-se numa cadeira e desatou a chorar descontroladamente.
61. Georgie ajoelhou-se ao seu lado tentando consolâ–la‚ orando com todas as forèas para saber o que dizer. Levando delicadamente a cabeèa da esposa ao seu peito, comeèou a falar num tom firme, mas reconfortante.
62. “Tenho que fazer isso, meu amor. É o que Deus estâ me pedindo, e näo posso dar as costas ao Seu chamado.”
63. “Mas você estâ servindo a Deus na igreja. Estâ servindo a Deus aqui. Näo é justo que Ele o envie a outro lugar. Eu preciso de você, as crianèas precisam de você, e as pessoas da parôquia também”, soluèou.
64. "Deus precisa de mim em outro lugar no momento", disse Georgie. “Näo seria justo nem da minha nem da sua parte recusar que eu vâ onde a necessidade é maior. As tropas na frente de batalha é que mais precisam de mim.”
65. “Mas por que você? Você é um homem fraco e doente. Näo é robusto como os jovens recrutas. Eles precisam de um homem de porte mais forte”, tentou racionalizar Meg.
66. “Eu näo tenho a menor dúvida de que Deus me chamou”, disse Georgie com tanta calma e tranqüilidade que nem ele se reconheceu. "Näo posso decepcionâ-lO, senäo nôs dois passaremos o resto da vida arrependidos."
67. Meg afastou-se com frieza. “Entäo vai ser assim mesmo?” perguntou.
68. “Infelizmente”, disse Georgie, tentando transmitir-lhe firmeza.
69. Levantando-se e arrumando o vestido, Meg deu-lhe as costas e foi para a sala.
70. “O jantar estâ pronto”‚ disse friamente. "Vou chamar as crianèas."
71. Aquela refeièäo, assim como os dias seguintes, foram o período mais difícil da vida de Georgie. Sem sentimento, Meg anunciou às crianèas na hora do jantar, que seu pai ia para a guerra e talvez nunca mais voltasse. Elas ficaram um pouco mais entusiasmadas do que Meg e queriam saber se ele usaria farda e carregaria uma arma como todos os outros soldados. Mas ficaram desapontadas ao saberem que Georgie näo teria uma arma e acharam que isso faria dele um soldado de segunda classe.
72. Georgie muitas vezes se via chorando durante o dia ao pensar no que ia perder, mas Meg nunca mais derramou uma lâgrima depois da primeira reaèäo. Ela se retraiu detrâs de um exterior gelado de decoro britãnico. Muitos paroquianos vieram desejar boa sorte a Georgie, e ela continuou a ser o que sempre fora — a anfitriä e esposa perfeita do pastor da cidade.
73. Mas no último dia, antes de Georgie partir, ela se desmanchou.
74. “Näo consigo”, admitiu. “Näo consigo odiar você. Tentei o mâximo que pude, mas näo consigo. Tentei odiar a Deus e tampouco consigo odiâ-lO. Quero odiar você e a Deus pelo que estâ fazendo, mas sô me vem à cabeèa que você é um homem bom e amoroso e que sou uma felizarda por tê-lo como marido. Achei que ia chegar à nata da sociedade através de você, mas o mais provâvel é que me torne mais uma viúva de guerra. Tenho tanto medo de perder você...” e desatou a chorar, incapaz de terminar sua frase. “Por favor, tome cuidado!” Conseguiu finalmente proferir entre os soluèos.
75. Georgie também desatou a chorar. Abraèaram–se e choraram por um longo tempo.
76. “Você sabe que esta é a coisa mais difícil que jâ fiz na vida”‚ disse Georgie finalmente.
77. “Que seja mesmo!” disse Meg. “E quando você voltar, é bom ficar de vez.”
78. “Näo posso lhe prometer isso”, disse Georgie.
79. “Sei que näo pode”, respondeu Meg. "Mas vou ter um monte de discussöes com Deus enquanto você estiver fora e vou tentar convencê-lO a deixâ-lo ficar. E Ele que cuide bem de você enquanto estiver fora, porque preciso de um marido e sô estou te emprestando."
80. “Por mais que eu queira concordar com você, acho que na verdade é o contrârio. Ele é quem nos emprestou um ao outro”‚ disse Georgie.
81. "Vocês dois me deixam furiosa!" disse Meg com um olhar resignado. “Nao consigo fazer coisa alguma do meu jeito.”
82. "Quem sabe se quando eu voltar você talvez jâ näo O tenha convencido à sua maneira de pensar?", disse Georgie com um sorriso.
83. “Até agora näo consegui”, respondeu Meg retribuindo o sorriso, “mas näo foi por falta de tentar”.
84. Sua última noite juntos foi a mais maravilhosa de todas. Pareciam estar envolvidos numa certa magia, e a lembranèa daqueles momentos de ternura e de dor ficou gravada na memôria de Georgie, sempre voltando, principalmente quando os morteiros zuniam por cima de sua cabeèa.
85. Joe Pagäo esbravejava feito um louco ao lado de George.
86. “Você é ateu?” gritou Georgie em meio a toda a barulheira.
87. "Sou pagäo e ímpio"‚ respondeu Joe enquanto ambos eram cobertos pela terra lanèada devido à uma explosäo ali perto.
88. “Mas você acredita em Deus?” berrou Georgie.
89. “Näo faria diferenèa nenhuma se eu acreditasse!” gritou Joe.
90. “E por que näo?” quis saber Georgie.
91. “Porque se Deus existe, eu vou para o Inferno, e se Ele näo existe, jâ estou no Inferno. De um jeito ou de outro eu estou frito”, gritou Joe.
92. “Mas Jesus o ama, sargento, mesmo que você seja Âtila, o huno, reencarnado”, gritou Georgie. Inexplicavelmente, naquele momento houve uma pausa nos estrondos, e no silêncio, a voz de Georgie foi carregada por todo o campo de batalha. Ressoaram entäo altas gargalhadas dos soldados que estavam prôximos e que ouviram a observaèäo do capeläo.
93. “Näo me constranja assim na frente dos meus homens”, respondeu Joe, rindo.
94. “O quê? Sô porque o chamei de Âtila, o huno?” perguntou Georgie.
95. “Näo, porque disse que Jesus me ama”, respondeu Joe.
96. "Acordem, pessoal", gritou um oficial ao longe. “Os chucrutes* estäo chegando.”
97. Ao longe via-se a silhueta de um bando de soldados alemäes saindo de suas trincheiras.
98. “Segurem o fogo”, gritou Joe. "Esperem até eles estarem täo perto que vocês näo teräo como errar o alvo. Escolham seus alvos! Esperem! Esperem! Fogo!"
99. A mortífera chuva de balas cruzou as linhas inimigas, mas os soldados continuaram em frente. Os ingleses continuaram atirando, mas os alemäes chegaram às trincheiras inglesas e a luta passou a ser corpo a corpo.
100. Um sargento alemäo de alta estatura jogou uma granada na trincheira perto de Georgie, que instintivamente a agarrou para lanèâ-la longe dali, mas ela explodiu assim que saiu da trincheira, a pouca distãncia de sua mäo. A explosäo arrancou o seu braèo e Georgie caiu ao chäo, fatalmente ferido.
101. “Tragam uma maca aqui ”, esbravejou Joe Pagäo.
102. Dois médicos correram para o lado de Georgie e o colocaram na maca. Os alemäes, tendo falhado em sua ofensiva e tendo jâ perdido a maioria de seu batalhäo estavam recuando. Guerra nas trincheiras näo faz sentido, pensou Joe, ao ser aliviado da pressäo de ter de lutar contra o inimigo. Eles nos atacam‚ nôs os atacamos, milhares säo mortos em ambos os lados, e tudo continua do mesmo jeito. Que idiotice! Que loucura!
103. Joe saiu correndo atrâs de Georgie que estava sendo transportado na maca por entre o labirinto de trincheiras britãnicas até o hospital ambulante.
104. “Agüente firme, reverendo”, disse Joe ao alcanèâ-lo. “Vamos dar um jeito e o senhor vai ficar novinho em folha.”
105. “Näo seja ridículo”, respondeu Georgie num sussurro rouco. “Você sabe que desta eu näo saio vivo.”
106. “Nem invente de bater as botas justamente agora, reverendo”, disse Joe‚ contendo as lâgrimas. "O seu trabalho ainda näo acabou."
107. “O que você disse?” perguntou Georgie, meio inconsciente.
108. “O senhor tem que salvar os perdidos”, respondeu Joe.
109. "Ôtimo, seu perdidäo irrecuperâvel", sussurrou Georgie, “repita comigo: Jesus, quero que Você entre em minha vida e salve a minha alma imortal”.
110. “Näo posso fazer isto, reverendo”, disse Joe, lutando para segurar as lâgrimas.
111. “É melhor você fazer seu...”, sussurrou Georgie, “senäo...”
112. A voz de Georgie se esvaiu enquanto sua cabeèa tombava sem vida para o lado.
113. Joe, aquele veterano de guerra calejado, que jâ vira de tudo e parecia insensível a tudo, se quebrantou. Segurando a única mäo que restara a Georgie, olhou para o rosto espantosamente sereno do homem a quem secretamente mais tinha admirado no mundo.
114. “Tudo bem, vou orar, vou orar”, chorou Joe. "Jesus, este foi o melhor cara que jâ conheci. Ele sô viveu para fazer o bem, e näo merecia isto. Ele foi uma fonte de calor humano e de consolo para todos neste regimento, e eu nunca admirei tanto alguém na minha vida como a ele. Queria muito ter orado com ele quando ainda estava vivo, mas nunca tive coragem para fazer isso. Quero que Você entre em minha vida e salve a minha alma imortal."
115. Em dezembro de 1918, um mês depois da Primeira Grande Guerra ter chegado ao fim, um homem robusto vestindo um uniforme de sargento batia nervosamente na porta da igreja da cidade. Meg abriu a porta curiosa.
116. “Sra. Graeme?” indagou o homem.
117. “Pois näo”, respondeu Meg.
118. “Meu nome é Joseph White, minha senhora. Tive o prazer e a honra de servir com o seu marido na guerra. Ele foi o melhor homem que jâ conheci.”
119. "Joe Pagäo!" exclamou Meg. “Entre, por favor.”
120. “A senhora me conhece?” perguntou Joe surpreso ao entrar na casa.
121. “O meu marido sempre o mencionava em suas cartas”, respondeu Meg. “Nôs dois combinamos de orar pelo senhor cada dia, e continuei orando mesmo depois que Georgie morreu. Que surpresa maravilhosa tê-lo aqui!”
122. “Acho que as suas oraèöes funcionaram. Näo sei como, mas sobrevivi a quatro anos da pior guerra que jâ houve. E aconteceram as coisas mais impressionantes para me manterem vivo. Era como se Deus estivesse me protegendo. Seu marido me fez acreditar em Deus e, mesmo morrendo, ainda orou por mim. Pedi a Jesus para entrar na minha vida naquela hora, e foi quando Joe Pagäo morreu. Alguns dos meus homens comeèaram até a me chamar de Säo Joe. Ainda näo sei muito sobre como ser um cristäo, ir aos cultos e essas coisas, mas acho que aprendi muito sobre Deus e mudei o meu modo de ser.”
123. Meg sorriu, e para Joe foi o sorriso mais lindo que jâ tinha visto.
124. “O seu marido foi um sortudo por tê-la como esposa”, disse Joe. “Näo entendo como ele põde deixâ-la para ir para a guerra. Ele era um reverendo, näo tinha que ir.”
125. “Foi o chamado de Deus para sua vida e näo podíamos recusar”‚ explicou Meg. "Eu bem que tentei. Infernizei as últimas semanas que passamos juntos, mas a lembranèa do último dia e noite que passamos juntos é algo que vou guardar comigo para sempre com muito carinho. E, claro, suas cartas eram muito importantes para mim. Ele me visitou no dia em que morreu, sabia? Näo o vi, mas senti sua presenèa. Sabia que ele estava morto, mas de alguma maneira também sabia que eu näo ia ficar sozinha, e me sobreveio uma paz inexplicâvel. Algumas semanas depois fui informada pelo Escritôrio do Exército de que ele morrera tentando salvar outros, jogando uma granada alemä para fora da trincheira."
126. “Eu estava perto dele, e o que ele fez salvou a minha vida e a de muitos outros”, disse Joe. “Foi um ato extraordinârio de coragem e...”
127. “Amor”, interrompeu Meg.
128. “É, amor, acho”, disse Joe, “como se ele estivesse sacrificando a sua vida pelos outros soldados”.
129. "Esse era o Georgie que eu amava"‚ disse Meg, "e a quem sempre vou amar".
130. “Joe olhou atentamente para Meg e jurava que podia ver uma luz ao seu redor.
131. “Seu White...” disse Meg.
132. “Pode me chamar sô de Joe”, interrompeu Joe.
133. “Joe, o que você pretende fazer agora?”
134. "Olha, como näo tenho família, näo tenho vínculos que me prendam a lugar algum."
135. “O que o senhor acha de passar um tempinho aqui? O bispo me permitiu continuar nesta casa porque näo hâ nenhum pastor que possa assumir o trabalho nesta cidade. Mas estâ precisando de uns reparos e näo tenho condièöes de pagar pelo trabalho, mas se o senhor se contentar com três boas refeièöes por dia e um teto...”
136. “Eu me sentiria honrado, minha senhora”, respondeu Joe. “Basta me mostrar por onde comeèar.”
137. E foi assim que tudo comeèou, ou melhor, recomeèou. Como devem imaginar, Joe e Meg acabaram se casando. Sua vida em comum, porém, teve uma reviravolta, visto que ambos tornaram-se membros ativos do Exército da Salvaèäo. Sendo Joe um ex-combatente‚ sentiu-se em casa numa denominaèäo baseada na linha militar, e tanto ele quanto Meg sentiam-se chamados para o trabalho social e de evangelizaèäo. Um tempo depois, mudaram-se para Liverpool, onde realizaram grandes obras em nome da caridade‚ ganhando muitos para Jesus no decorrer de suas longas e frutíferas vidas.
138. De modo que a morte de uma testemunha resultou em outra para tomar o seu lugar. Enquanto um era levado para Casa, para receber a sua recompensa no Céu, outro pegou a tocha. Serâ que por acaso näo hâ uma tocha perto de você esperando para ser pega?
Padre Smith
Uma histôria de Demetrius Gallitzin
Meu nome é Demetrius Augustine Gallitzin. Nasci em Haia no dia 22 de dezembro de 1770, filho do príncipe russo Dimitri Alexander Gallitzin e da princesa Amalie (de uma renomada família alemä). A minha família era uma das mais tradicionais, ricas e ilustres da Rússia. Era respeitada e invejada também. Dada a minha linhagem nobre, todos me previam um futuro ilustre, o que deveras aconteceu, mas näo como esperavam.
140. Quando eu nasci, meu pai, Dimitri Gallitzin, era o embaixador da Rússia na Holanda. Nos 14 anos anteriores fora embaixador em Paris‚ onde estabelecera vínculos estreitos com os filôsofos da Maèonaria‚ tornando-se um ateu convicto.
141. Fui criado com muito preconceito, e meus pais me isolaram de quaisquer influências religiosas. Mas Deus, em Seu infinito amor e misericôrdia, recusou-Se a permitir que os sofismas* do ateísmo que me cercavam interferissem no Seu desígnio para a minha vida.
142. Em 1786, minha mäe ficou gravemente enferma e achamos que ela ia morrer, mas näo morreu. Pelo contrârio, ela se recuperou maravilhosamente. De alguma forma ela sabia que Jesus a tinha curado‚ e prometeu abraèar o cristianismo com seriedade. Foi entäo que passou a se preocupar com o meu bem-estar espiritual.
143. Ao completar 16 anos recebi uma carta de minha mäe dizendo como ela gostaria que eu me convertesse a Cristo. Na verdade, eu também senti necessidade de conhecer o Senhor e logo me converti.
144. Embora tivesse encontrado o Senhor e O amasse de todo o meu coraèäo, na verdade näo queria me entregar a Ele. Ingressei na carreira militar‚ algo que meu pai tanto queria, e que eu, um jovem amante de feitos varonis e da glôria do servièo militar, também desejava.
145. Em 1792, no auge da Revoluèäo Francesa, tornei-me o ajudante de ordens de um general austríaco‚ von Lillien. Eu me sentia todo-poderoso, pois tinha tudo o que sempre desejara na vida, exceto a paz de espírito de saber que estava cumprindo a vontade de Deus. Senti o Seu chamado na minha vida‚ mas corri para os braèos do exército, como Jonas que correu para o barco achando que aquilo o levaria para longe de Deus.
146. Tentei ser uma boa pessoa e, quando podia, ajudar as pessoas em seus maus momentos. Mas sabia pouquíssimo sobre o Senhor, de modo que näo podia ajudar muito. Eu usava o fato de ter um cargo importante, para justificar a postura vacilante que tinha em relaèäo à minha fé.
147. Quando o Rei da Suécia, Gustav III, foi assassinado, e a morte do Imperador Leopoldo II forèou a Âustria e a Prússia a dispensarem todos os estrangeiros do servièo militar, minha vida tomou um rumo totalmente diferente.
148. Como fui um dos muitos dispensados‚ minha única opèäo foi voltar para casa. Pouco tempo depois meus pais resolveram que eu deveria visitar os Estados Unidos, as Índias Ocidentais e outros países. Por um tempo me recusei, pois o meu único sonho era subir na carreira militar. Deus, porém, tinha outros planos para mim.
149. Em casa, noite apôs noite eu me revirava na cama täo confortâvel, sem conseguir dormir direito, me indagando se um dia encontraria paz para a minha alma‚ pois sabia que isso me faltava. Embora nunca tivesse sentido essa paz por completo, sabia que era uma dâdiva que em algum momento receberia, porque houve épocas na minha vida em que me entreguei mais a Cristo, chegando a sentir levemente paz e experimentando o espírito de moderaèäo.
150. Percebendo que, se continuasse a buscar os meus prôprios planos, essa inquietaèäo nunca acabaria, segui o conselho de meu pai de estudar no exterior e viajar, fui para os Estados Unidos.
151. Em outubro de 1792, na companhia do Padre Brosius, cheguei a Baltimore, Maryland. Para evitar a inconveniência e despesa de viajar como príncipe russo, adotei o sobrenome Smith‚ e por muitos anos nos Estados Unidos fui conhecido como Augustine Smith.
152. Depois de observar um pouco, fiquei atõnito ao perceber que o povo nesse país era muitíssimo pobre em fé. Via ao meu redor uma grande carência do aspecto espiritual, e resolvi participar do propôsito do Senhor, em vez de apenas estudar a respeito do mesmo. Sendo assim entreguei minha fortuna e dediquei a minha vida para salvar almas nos Estados Unidos. Apesar das objeèöes de meus parentes e amigos na Europa‚ me tornei, com a aprovaèäo do bispo Carrol, de Baltimore, um dos primeiros alunos do St. Mary’s Catholic Seminary (Seminârio Catôlico de Santa Maria).
153. Muitas vezes me vi diante da decisäo de ser um missionârio para este povo ou retornar à carreira militar.
154. Finalmente fui ordenado, e tornei-me o Padre Augustine Smith. O arcebispo de Baltimore me implorou para ficar na Ordem de Säo Sulpice, mas näo era para ser. Eu sabia que tinha que ir para outro lugar, pois logo entendi que a minha nova fé me cobrava o servièo, ou seja, realizar a vontade do meu Senhor Jesus Cristo, näo a minha ou a dos outros. Logo me afastei daquela sociedade e fui para onde o Senhor me queria: o oeste do estado da Pensilvãnia.
155. Eu era um padre catôlico‚ e como tal, devido ao doutrinamento que recebi no seminârio, discordava de muitos aspectos da igreja Protestante. A minha meta principal era ganhar o mâximo de pessoas possível para Cristo‚ e näo me concentrar em converter protestantes ao catolicismo.
156. Em 1799 construí minha casa no meio de florestas e montes rochosos. Edifiquei uma capela de nove metros de extensäo, o suficiente para os poucos cristäos dedicados da ârea.
157. Mas o Senhor näo me deixou ministrar apenas aos poucos cristäos que estavam desesperados por um padre, pois queria que eu fundasse uma colõnia cristä, e que mais tarde prosperou bastante.
158. O Imperador da Rússia, Alexander I, que tinha conhecimento da minha pessoa e do meu trabalho no oeste da Pensilvãnia, ficou muito zangado e näo conseguia me perdoar por ter “traído o nome da família Gallitzin” e ter me tornado um padre.
159. Conseqüentemente, em 1808, foi com muita surpresa e choque que recebi uma carta de um amigo na Europa. Ele me garantira vârias vezes que‚ depois da morte de meus pais, eu ficaria com grande parte de sua propriedade e também parte do legado de minha mäe. O governo russo, porém, negou-me esse direito por eu ter me tornado padre. Na carta, esse amigo me contava que o príncipe alemäo que minha irmä desposara recebera e esbanjara toda a heranèa.
160. Essa notícia me decepcionou muitíssimo, pois esperava usar minha heranèa para expandir a obra que o Senhor tinha me ajudado a comeèar. A essa altura eu jâ gastara tudo o que tinha, mas ainda assim me recusei a receber um centavo que fosse pelo meu trabalho como padre‚ pois sabia que o Senhor cuidaria de mim se eu cuidasse da Sua obra. E, deveras, Ele foi fiel em suprir, näo sô para mim, mas também para toda a minha casa e muitos ôrfäos que acolhi.
161. Houve dias bons, mas no geral as minhas dificuldades eram muitas. O mais difícil eram as batalhas e lutas no espírito e na mente, e quando os meus amigos se voltaram contra mim por ter permanecido firme nas minhas convicèöes.
162. Durante muitos anos eu, no geral, sô recebi ingratidäo por viver pelos outros. Como era um padre numa regiäo predominantemente protestante, minhas aèöes eram incompreendidas, meus escritos mal-interpretados, minha honra atacada, e eu vilipendiado. Até cheguei a ser atacado fisicamente. Mas o pior foi o fato de membros do rebanho do qual eu cuidava terem agido assim contra mim. O Senhor, porém, cuidou bem de mim, e no final endireitou as coisas e tudo sô serviu para expandir a Sua obra.
163. Muitos tinham conhecimento dessas minhas dificuldades, mas uma dificuldade que ninguém sabia era que, mesmo depois de me tornar padre, por muito tempo eu ainda alimentava o desejo de abandonar a minha vocaèäo e voltar para a carreira militar. Ser padre näo era fâcil para mim, e na verdade, se näo tivesse sentido täo forte o chamado, vestir a batina era a última coisa que eu teria feito.
164. Para mim era mais difícil abrir mäo do desejo de ser militar do que de uma vida de riquezas, de comodidade e de conforto como príncipe — embora de vez em quando isso também fosse uma provaèäo.
165. Talvez pensem que o fato de ser padre me protegia de grandes tentaèöes, mas na verdade, minha vocaèäo näo me protegia‚ pois permiti que meu coraèäo enfrentasse os ventos da insubmissäo. Pensei que, por ninguém ter conhecimento desses meus sentimentos‚ entäo näo importava. Mas importava sim.
166. Todos somos tentados e temos coisas que nos säo queridas e das quais precisamos abrir mäo para cumprirmos o desígnio divino para nossas vidas. Sô Deus sabe qual serâ a sua maior prova. Esta era a minha.
167. Fui criado como um nobre, aprendendo que a honra e o prestígio eram o destino dos militares. E como de certa forma eu era um homem vaidoso, embora me considerassem “modesto”, optei por näo deixar verdadeiramente nas mäos do Senhor o meu desejo de um dia voltar à vida militar. Até mesmo o termo “homem modesto” me incomodava por dentro, pois ser “modesto e fraco” näo era o que eu realmente queria, mas era o que Deus queria para mim. É com alegria que afirmo que depois de um tempo preferi fazer o que Deus queria e me submeti totalmente a Ele. E näo me arrependo, porque os caminhos de Deus säo verdadeiramente mais altos do que os nossos.
168. No comeèo do meu ministério‚ passei por muitos momentos difíceis. Os desapontamentos‚ os equívocos e as mâs interpretaèöes do que eu dizia, escrevia e fazia, e a traièäo de amigos íntimos e daqueles a quem eu amava me magoaram profundamente. A maneira como me vilipendiaram e caluniaram, e o escârnio daqueles com quem eu, como um ministro de Deus, convivia; as ocasiöes em que sofri assalto físico, e muitas outras coisas que passei naquela época, me fizeram sentir afastado de todos e extremamente sô. Eu me perguntava se tomara a decisäo certa e se o Senhor estava realmente cuidando de mim enquanto eu realizava a Sua obra.
169. Certa noite‚ depois de muitos anos de servièo, lutei mais ferrenhamente do que nunca para continuar no servièo de Deus. Sentia-me extremamente sô naquela noite e como se Ele tivesse me abandonado.
170. Lutando contra os ataques do Inimigo ao meu coraèäo e pensamentos, as riquezas e os confortos da vida principesca que renunciara me vinham à mente, e o fraco estado espiritual em que eu me encontrava enfraquecia a minha determinaèäo, de modo que comecei a suar desmedidamente e a tremer violentamente, tanto que näo conseguia controlar.
171. Ouvi uma voz em minha cabeèa que me zombava e me dizia que Deus näo Se importava comigo, que servi-lO era a escolha de um fracote, e que Ele era um Deus egoísta por ter me pedido para fazer a Sua vontade em vez de seguir os meus prôprios desejos.
172. Em meu quarto‚ sentei-me na minha cama estreita, segurando os joelhos ao peito, contemplando a pequena janela entreaberta do quarto, balanèando-me de frente para trâs.
173. Sabia que este era um momento crucial para o meu ministério. Embora muitos se me opusessem, muitos outros me observavam e admiravam, e eu näo queria decepcionâ–los‚ tampouco queria desapontar o Senhor. Mas as coisas deste mundo e tudo o que poderia ser meu caso eu assim escolhesse ainda ocupavam o meu coraèäo, e eu sabia que näo podia mais continuar vacilando entre esses dois mundos. Sabia que tinha que abrir mäo daquilo e nunca mais voltar a dar-lhe qualquer valor, senäo teria que escolher o caminho do mundo, de toda a minha criaèäo e de tudo o mais ligado a isto.
174. Contudo, justo no momento quando achei que certamente ia desistir de tudo, desatei a chorar e implorei ao Senhor que me tomasse e voltasse a me usar totalmente. Eu Lhe disse que mesmo se fosse tentado e posto à prova desta forma cada noite, ainda assim a minha vida seria dEle, porque, na verdade, Ele jâ tinha provado vezes sem conta que era realmente Deus e, como tal, digno de ser servido de todo o meu coraèäo.
175. Foi neste exato momento que senti algo me cobrir e levar embora todas as impurezas do meu coraèäo que nunca tinham sido devidamente entregues para serem limpas. Nesta noite me entreguei totalmente nas mäos do meu Deus de amor. Ele me deu a infatigabilidade* necessâria para a vida missionâria e uma coragem que nunca antes imaginei ser possível‚ assim como um zelo ardente que acredito ser necessârio para a vida de um missionârio.
176. Eu queria tanto viver a vida de um soldado, e Deus deveras ma deu, porém à Sua maneira. Eu agora tornara-me 100% soldado dEle. Naquela noite, Deus abriu o meu coraèäo e me concedeu os desejos secretos que lâ moravam. Nunca havia percebido até aquele momento o quanto eu O amava e o quanto Ele se importava comigo. O Senhor me deu o que eu mais queria de modo que pudesse usufruir disso para toda a eternidade, e ainda estou desfrutando Aqui no Céu das bênèäos de ter sacrificado os meus desejos e aspiraèöes mundanos. Estou täo agradecido agora por Ele ter me ajudado a escolher o que era melhor.
177. Apesar de todas as dificuldades com as quais tive que conviver — e näo foram poucas — minha vida foi gloriosamente coroada com bênèäos Celestiais, tantas que näo as posso contar.
178. É täo fâcil usar a desculpa “afinal de contas, sou humano”, mas se dermos a nossa vida a Ele e renunciarmos a nôs mesmos‚ nos tornaremos meros vasos, e a natureza divina de Deus entäo poderâ nos possuir e preencher. Poderemos entäo fazer coisas no plano espiritual com a natureza do prôprio Deus.
179. Apôs quarenta e um anos nas escarpadas montanhas de Allegheny, morri tal como vivi a maior parte de minha vida — pobre. Eu diria, sem pensar duas vezes, que os meus anos de vida foram passados no melhor servièo que hâ, servindo ao melhor General que jamais poderia servir.
180. Considero minha vida e carreira muito frutíferas — mas sô porque as entreguei ao Senhor para usâ-las como Lhe aprouvesse. Todo o mérito é do Senhor pelos muitos milhares de almas que pude guiar a Ele durante a minha vida. Jesus me deu um fruto tremendo e me permitiu ver a Sua igreja crescer, e também me deu inúmeras recompensas quando cheguei ao Céu, coisas que näo trocaria por nada no mundo.
181. Fiquei cativado pela visäo interior que tinha — a visäo de Cristo — e nada no mundo poderia ter me satisfeito como servi-lO me satisfez, näo sô no final‚ mas também no dia–a-dia.
182. Para viver por Cristo e permanecer firme nas minhas convicèöes, tive que abrir mäo de muitas coisas: do meu grande desejo de progredir numa profissäo na qual era bom e que tanto amava, e do desejo de ser alguém aos olhos daqueles que me conheciam.
183. Agora sei que minha vida conteve toda a magia‚ forèa e poder que lhe era devida por eu ter sido um canal através do qual Deus põde operar — näo era o meu prôprio poder e grandeza, mas sim de Cristo. Ele me fez para me usar, e quando eu Lhe permiti fazer justamente isto, tornei-me alguém especial. Fui a pessoa que era para ser.
Pergunta: O padre Smith tinha uma parôquia täo pequena numa ârea rural dos EUA. Ele realmente ganhou “vârios milhares de almas” para o Senhor durante sua vida?
Resposta: Quando pesquisamos os livros de Histôria, ficamos surpresos com o impacto que ele teve no início dos EUA. Ele labutou como missionârio durante cerca de 41 anos‚ e, segundo enciclopédias catôlicas e seculares, “onde antes sô se encontravam uma dúzia de catôlicos, (na época de sua morte) constatou-se mais de dez mil”.
Ele viajou incansavelmente para ministrar ao seu rebanho e para pregar, e no pouco tempo de sobra que tinha, escrevia. Um historiador observou: "Apesar de sua labuta, o padre Gallitzin encontrou tempo para publicar vârios folhetos valiosos... (e um deles), impresso vârias vezes, foi causa de muitas conversöes. Suas obras eram täo famosas que foram traduzida para o francês, alemäo e italiano, e amplamente divulgadas em toda a Europa."
De modo que o padre Smith amava o Senhor, foi fiel à Sua mensagem e recebeu uma coroa de vida pelos milhares de almas que ajudou a ganhar!
Valeu a pena
Uma histôria de Florence Nightingale
Muitos de vocês provavelmente sabem de alguns dos sacrifícios que fiz para atender ao chamado do Senhor em minha vida. Tive que deixar para trâs todos que conhecia, amava e por quem me importava para cumprir o meu chamado.
185. Foi difícil perder a companhia da minha família, dos meus amigos e do homem que me amava. Mas o mais difícil foi perder o respeito, apoio moral, forèa e até mesmo o amor de todos eles. Eles me rejeitaram e desprezaram. Praticamente ninguém acreditava no que eu fazia‚ inclusive aqueles a quem eu mais amava.
186. Fiz o que sabia que tinha de fazer, por pura fé e convicèäo no que Deus tinha me dito ser certo, verdadeiro e digno de meus esforèos. Com o tempo, o mundo concordou comigo, e até passou a me admirar. Mas a maior parte da minha vida eu lutei, perseverei e servi por amor ao Senhor e àqueles que precisavam de minha ajuda. Eu näo via glôria ou honra alguma no que fazia. A princípio fui considerada uma vergonha para a minha família, meu país e para a profissäo médica. Consideravam-me uma pessoa confusa, desajustada, louca e até mesmo uma herege.
187. É fâcil agora olhar para trâs e dizer que näo me arrependo de nada que fiz‚ que näo tenho sombra de dúvida que valeu a pena. Agora posso ver os resultados; agora posso ver as mudanèas positivas que o meu sacrifício e servièo acarretaram, näo sô em muitas vidas‚ mas também no mundo de modo geral. Na época, porém, näo era assim täo claro nem fâcil de ver. Longe disto! Houve muitas ocasiöes em que questionei, em que vacilei, em que a minha fé e determinaèäo quase me falharam, em que eu quase desisti, dei as costas e voltei para casa.
188. Sabia que estava fazendo o que era certo, e nunca questionei isto, mas às vezes me perguntava se conseguiria continuar. Serâ que seria mal vista pela minha família e amigos para o resto da vida? Serâ que conseguiria continuar me doando daquele jeito para o resto da vida sem receber nada em troca? Näo foi isso o que aconteceu, graèas a Deus, mas por uns anos enfrentei esses sentimentos e temores. Tinha que estar disposta a perseverar para sempre, quer as coisas mudassem quer näo, senäo näo teria agüentado.
189. Se eu tivesse buscado apenas a aprovaèäo de minha família ou do mundo, isso nunca teria sido o bastante para me manter. Eu teria me desiludido; näo teria tido forèas, esperanèa ou fé. Depositar sua fé em alguém, ou em qualquer coisa que näo seja o Senhor, simplesmente näo basta para ajudâ-lo quando você se depara com uma escolha ou fardo da magnitude do meu. Eu simplesmente näo podia contar com nenhum consolo, prazer ou promessa terrenos. Näo podia contar com a palavra de nenhum homem nem mulher. Muitas promessas me foram feitas e depois quebradas — mas as promessas de Deus sempre se cumpriram.
190. Desde o comeèo eu sabia que por mais que eu gostasse da companhia do homem a quem amava, näo teria continuado e cumprido o chamado que Deus tinha para mim se tivesse me casado com ele. Ele näo teria me seguido na vida que escolhi viver. Ele sempre foi prestativo e amâvel, mesmo depois de eu ter negado o pedido de casamento‚ mas se eu tivesse me casado, ele ia querer que eu permanecesse na Inglaterra, que fosse uma senhora da sociedade e me conformasse ao seu estilo de vida, e isso simplesmente näo era a vontade de Deus para mim.
191. Eu sempre soube disso, porém, me levou anos para finalmente tomar a decisäo final e resolver que näo ia me casar com ele, e näo sô isso, mas que näo olharia para trâs com remorsos. Tinha de aceitar que a vontade de Deus para mim era muito melhor‚ muito mais sublime, mil vezes mais gratificante do que uma vida casada teria sido. Para algumas pessoas o casamento é a vontade de Deus, mas para mim näo era.
192. Eu sabia disto, desde o comeèo‚ mas queria me casar‚ de modo que esperei durante muitos anos que talvez, de alguma maneira, eu pudesse ter as duas coisas: o chamamento de Deus para a minha vida e o homem a quem eu amava. A escolha que tive que fazer foi angustiante, mas quando a fiz, ficou claro para mim que eu näo tinha realmente escolha se quisesse seguir Jesus até o fim. Sô depois que tomei a decisäo final de abrir mäo do meu amado e das minhas esperanèas e sonhos de amor, e näo buscâ-los novamente, é que fui libertada para desempenhar o meu papel no servièo de Deus totalmente.
193. O Senhor nunca me prometeu uma vida fâcil‚ mas sim um lugar gratificante de servièo, e Ele cumpriu a Sua palavra até o último til. Até mesmo na Terra fui recompensada, pois o apreèo e o reconhecimento que recebi daqueles a quem servi jâ teria sido o bastante para mim — quando finalmente aprendi a buscar aprovaèäo em Deus e naqueles que realmente contavam, os que precisavam de mim, e me esquecer do que os outros pensavam.
194. Como eu näo me importava com o que os outros pensavam, mas escolhi em vez disso seguir a vontade de Deus, no final eles me honraram. Mas se eu tivesse seguido as vontades‚ desejos e demandas da sociedade, teria sido apenas mais um rosto na multidäo, como tantos outros que temem dar um passo de fé, de se lanèarem completamente nos braèos do Senhor e näo se agarrarem a pessoas ou a coisas.
195. As palavras do nosso Senhor sempre foram verdadeiras, que um profeta näo tem honra em sua prôpria pâtria e em sua prôpria casa. Tantas vezes o Senhor tem chamado nôs que O seguimos a servi-lO de formas que certamente aborrecem aos nossos familiares e amados. A dor que isso nos causa é uma das mais difíceis de todas. Queremos que aqueles a quem amamos nos compreendam, aceitem e apôiem, e nos sentimos täo sôs e destituídos sem esse apoio. Mas enquanto estivermos nos apoiando em outras coisas que näo sejam o Senhor, näo teremos a forèa de espírito que um discípulo precisa ter. Até renunciarmos o que nos é mais querido e percebermos que Deus pode nos dar a graèa para passar sem isso, nunca nos tornaremos totalmente em homens e mulheres de Deus maduros e crescidos. Permaneceremos crianèas no coraèäo, criancinhas espirituais, anöes emocionais, jamais totalmente desenvolvidos, nossos dons nunca seräo completamente aperfeièoados. Às vezes é preciso este tipo de purificaèäo‚ essa perda, essa retirada total de todos os apetrechos, essa perda de tudo com exceèäo de Deus e Suas promessas‚ para nos aproximarmos o bastante dEle de modo a podermos ser verdadeiramente chamados de Seus discípulos.
196. Como Ele disse hâ tanto tempo: “Aquele que näo renuncia a tudo quanto tem, näo pode ser Meu discípulo” (Lucas 14:33). Isto näo mudou, e continua provando ser a verdade ao longo de toda a histôria. O Seu chamado é o mesmo hoje que sempre foi. Mas näo acaba aí. Ele näo nos pede apenas para renunciarmos a tudo sem nos recompensar em troca. Eu näo tenho queixas nem remorsos. Ele prometeu que aquele que renuncia a casas, ou terras, ou irmäo, ou irmä, ou mulher, ou filhos, receberia cem vezes mais — e Ele nunca falhou em qualquer uma de Suas promessas. Ele foi fiel comigo. Realizou todos os meus sonhos. Ele me ajudou e me deu as forèas para levar minha visäo em frente‚ o plano dEle que ajudou a mudar o mundo. Foi sô isso que eu verdadeiramente esperava, e mais intensamente desejava.
197. Mas näo parou por aí. No Céu Ele me abenèoou mais do que consigo acreditar. Näo sô estou agora reconciliada com minha família de sangue, mas milhares e mais milhares de pessoas me amam e estäo gratas a mim, e estou cercada daqueles que muito mais do que meramente me aprovam. Sou amada por muitos, e amada de uma maneira muito especial por uns poucos. E, acima de tudo, sinto constantemente a profundidade de um amor íntimo com o meu Salvador e Amor de todos os amores. Ele mais do que me retribuiu.
Tive que fazer o meu rosto como a pederneira
(Isaías 50:7)
Contado por Alex
198. Sou um cristäo — sem registro na Histôria — com minha prôpria histôria para contar. Vivi hâ muitos anos durante um tempo de perseguièäo. Eu era jovem na época‚ tinha uma linda esposa e uma filhinha. Saímos de nosso país natal e fomos para outro como missionârios. Nosso desejo era compartilhar o amor de Jesus com aqueles que ainda näo tinham a dâdiva da salvaèäo.
199. Nossa vida como missionârios foi bem corriqueira por quase três anos. Foi entäo que a perseguièäo bateu às portas da igreja. Estâvamos pouco preparados para ela, mas nos agarramos à nossa fé. Neste tempo de perseguièäo, minha esposa ficou muito doente. Eu cuidei dela o melhor que pude até se recuperar, embora fosse difícil. Como tínhamos que permanecer escondidos‚ havia uma escassez de alimentos e outros itens, por isso näo podíamos fazer muito para ajudâ-la fisicamente. Entäo orâvamos por ela. Orâvamos e orâvamos.
200. Mas Deus tinha outros planos. Descobriram nosso esconderijo enquanto eu visitava outra igreja–em–casa disfarèada. Quando voltei, näo havia sinal de minha esposa e filha, nem dos outros cristäos que se abrigavam conosco. Tudo o que sobrou de nosso esconderijo foi uma bagunèa de môveis, e nossas parcas possessöes foram jogadas violentamente pelo chäo. Meu coraèäo quase parou. Desatei a chorar. Caí ao chäo e chorei amargamente. Sentia como se tivesse sido jogado no poèo mais profundo e sem esperanèa conhecido pelo ser humano. A alegria da minha vida — minha querida esposa e linda filha — tinha sido arrancada de mim. Tínhamos sido täo felizes juntos, täo abenèoados.
201. Vinham–me memôrias e mais memôrias, e cada uma apunhalava meu coraèäo, pois percebia que minha esposa e filha tinham sido levadas. Tínhamos partilhado alegres anos juntos, ensinando outros sobre Jesus. A fé que compartilhâvamos era nossa maior alegria. E agora, essa fé tinha me custado algo muito precioso — minha esposa e filha. Eu näo sabia onde estavam nem para onde tinham sido levadas. Tinha esperanèas de que ainda estivessem vivas, mas näo sabia se um dia teria notícias delas.
202. Fui a um bosque lâ perto e fiquei de joelhos por horas, buscando a Deus, orando e pedindo-Lhe que me orientasse e guiasse. Ele consolou o meu coraèäo e me deu uma visäo da minha esposa e filha com uma aura ao seu redor. Näo tinha muita certeza se isso significava que jâ tinham sido levadas para nosso Lar Celestial ou näo. Sô uma coisa ficou clara: as palavras que ouvi depois de ter essa visäo:
203. “Você tem de deixar este país. Näo é seguro aqui. Tenho um trabalho para você. Você tem de permanecer vivo para pregar a Minha mensagem e trazer os perdidos a Mim. Deixe sua esposa e filha em Minhas mäos. Eu reunirei você à sua família no Meu tempo.”
204. As palavras eram muito claras, muito altas e vívidas. Queimavam em meus ouvidos ao passo que minhas lâgrimas queimavam meu rosto. Näo havia nada que eu pudesse fazer. Eu ou renegava a minha fé e meu Deus, ou O obedecia. Afinal de contas, eu acreditava e professava que Ele sabia o que era melhor. Agora chegara a hora da purificaèäo, do pranto, da perseguièäo‚ e eu questionava se neste tempo de tamanhas dificuldades e agonia eu permaneceria fiel. Sabia que era o que tinha de fazer.
205. Tinha recebido meu chamado e obedeci, mas foi com o coraèäo pesado. Pedi perdäo a Deus pela minha falta de fé e paz‚ pois lutei para obedecer. Saí do país vagarosamente, ainda sentindo um grande peso, e disfarèado com a maior cautela, porque agora a perseguièäo aos cristäos estava bem alastrada. Preocupei-me com a minha esposa e filha. Serâ que ela tinha morrido? E a minha filha? Que teria lhe acontecido? Sô podia entregâ-las ao Deus a quem servia em oraèäo. Tinha entäo que fazer o meu rosto como a pederneira, como diz na Bíblia, e seguir com a minha tarefa.
206. Nos prôximos dois anos, vivi num país vizinho onde as pessoas eram receptivas e quebrantadas. Onde as almas dos homens, mulheres e crianèas entravam para o reino dos Céus aos montes e numa velocidade surpreendente. Eu era feliz porque a mensagem estava sendo pregada. Sô desejava que minha esposa e filha pudessem estar lâ e participar de tudo aquilo. A dor que senti ao renunciâ-las foi muito grande. A admoestaèäo ao meu coraèäo continuava forte. Deus tinha me dito para deixâ-las para trâs, para seguir em frente, confiâ-las às Suas mäos, para renunciar a elas e fazer o que Ele tinha para mim.
207. Às vezes parecia duro, quase cruel. Em outros momentos tinha que me decidir se ia acreditar e confiar em Deus, ou abrir mäo de tudo do que eu sabia e no qual acreditava e viver minha vida sem a orientaèäo de Deus. Eu sabia que a minha querida esposa näo ia querer que eu fizesse isso. Ela sempre me incentivou a colocar meu dever para com Deus primeiro, depois o nosso compromisso um com o outro. Eu sabia o que ela iria querer que eu fizesse, mas às vezes era quase difícil demais para mim.
208. Vivi mais muitos anos. Passaram-se quase 10 anos antes de eu ver alguma prova tangível de que tinha feito a escolha certa, antes do meu coraèäo ter certeza concreta. Claro que eu tinha a Palavra de Deus na qual me firmar, mas em tempos de sofrimento e grande sacrifício pessoal, às vezes nos falta fé em Deus, e a Sua Palavra näo nos parece ser suficiente. Que triste.
209. Deus, em Sua misericôrdia, me deu uma palavrinha sobre a minha família, através de uma senhora, alguém que morava conosco em nosso abrigo cristäo muitos anos antes. Eu a encontrei por acaso em uma reuniäo de cristäos, e seu rosto se iluminou e ela chorou ao me contar a histôria do que havia acontecido naquele dia fatídico.
210. “Quando deram a batida no nosso abrigo”, explicou, “eu estava no corredor secreto. Tive a oportunidade de escapar, e senti Deus me guiando a isso, de modo que fugi. Mas antes vi e ouvi a sua esposa ajoelhando-se no chäo, com sua filha no colo, em oraèäo. Ela estava em perfeita paz perante Deus, Sabia o que estava acontecendo e orou em voz alta por você. Ela disse: 'Dê forèas ao Alex para fazer a Sua vontade. Deixe-o viver e continuar livre para pregar as Suas Palavras. Permita-lhe continuar a cumprir o chamado que Você nos deu anos atrâs quando Lhe entregamos nossas vidas. Dê-lhe coragem para seguir em frente, para näo olhar para trâs, para ver que Você o chamou para continuar, embora agora sozinho. Eu Lhe imploro, Jesus, que lhe dê determinaèäo para abrir mäo de nôs, para que possa realizar o que Você estâ pedindo dele.'
211. Deus tinha falado ao seu coraèäo e lhe dito o que ia acontecer. Ela sabia até mais claramente que você quais eram os planos de Deus, e seu rosto brilhava. Ela näo tinha medo algum. Sabia que seu trabalho estava terminado e orou fervorosamente por você entender e aceitar sua nova tarefa. Ela implorou a Deus para lhe dar forèas para aceitar, sabendo o preèo alto que tinha a pagar.”
212. Nôs nos abraèamos pelo que pareceu uma hora. A paz de Jesus lavou o meu coraèäo e me revigorou. Eu tinha seguido. Tinha obedecido. Tinha feito o que o meu Deus me pedira. E em troca, embora o sacrifício e a renúncia tivessem sido grandes‚ eu agora fora recompensado. Tive a certeza de saber que Deus tinha dado à minha esposa forèas para encarar a morte. Tinha ouvido boatos de que elas tinham sido executadas com muitos outros cristäos. Nunca soube ao certo até chegar ao Céu, mas sempre soube por certo que tinha ouvido a voz de Deus. Ele tinha me pedido algo praticamente impossível, mas quando me submeti à Sua vontade, Ele me deu a graèa dia a dia, e como resultado, näo sô guiei milhares de almas para o Reino, mas também cumpri a última oraèäo da minha esposa, dando-lhe grande alegria ao aquiescer à vontade do meu Salvador.
213. Jâ nos reunimos maravilhosamente. E embora o sacrifício e a renúncia da minha família fosse por vezes avassalador, meu amoroso Salvador me ajudou. Recebi graèa e mais recompensas do que jamais mereci por colocar meu Jesus em primeiro lugar.
214. Qualquer sacrifício, näo importa por quanto tempo ou quäo difícil seja‚ desaparece numa fraèäo de segundos quando você chega ao Céu. É-lhe pago näo sô em sua totalidade, mas inúmeras vezes mais. As palavras "tudo vale a pena" näo descrevem nem de longe a verdade que as promessas do nosso Salvador representam.
215. Nunca me arrependerei do sacrifício e da renúncia que fiz, e voltaria a sacrificar de boa mente qualquer coisa que Jesus me pedisse, porque aprendi por experiência pessoal que o amor de Deus é enorme e Sua ternura avassaladora, e que Ele nunca nos pede algo que seja difícil demais, a näo ser que seja absolutamente necessârio.
216. Ao fazer uma retrospectiva de minha vida e viajar no tempo para aquele momento angustiante quando ouvi o chamado de Deus de renunciar à minha esposa e filha, sem saber qual seria a sua sina, vi Jesus ao meu lado‚ chorando — chorando comigo, chorando por mim, orando por mim e sustentando-me. Soube entäo que näo se pede nada de um filho de Deus que näo seja vital para cumprir o propôsito para sua vida e o plano ao qual deu sua vida.
217. Entäo‚ tenha coragem para fazer sacrifícios, e nas suas provaèöes e renúncias. Nada que você der valerâ mais do que o amor de Jesus e a vida de felicidade que seräo seus para sempre se fizer a vontade de Deus.
Glossârio
Seguem-se definièöes de palavras marcadas com asterisco nesta Carta, em ordem alfabética. Os significados säo relativos ao uso da palavra no texto, e näo incluem cada sentido da palavra. Por favor, consulte em seu dicionârio as palavras ausentes nesta lista.
chucrute: (subs.) apelido para alemäes em algumas regiöes do Brasil.
decano: (subs.) dignitârio eclesiâstico, que preside ao cabido (corporaèäo dos cõnegos de uma catedral).
epifania: (subs.) manifestaèäo de Jesus Cristo a alguém. Originalmente, aos gentios na pessoa dos Reis Magos que O vieram adorar.
infatigabilidade: (subs.) qualidade de infatigâvel; que näo se cansa.
reitor: (subs.) na Igreja Anglicana, eclesiâstico encarregado da administraèäo duma parôquia e do recebimento dos dízimos paroquiais.
sofisma: (subs.) argumento falso formulado de propôsito para induzir outrem a erro.
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